O ódio político do meu bisavô passou para mim

Meu bisavô odiava Getúlio Vargas. Muito, muito mesmo.

Como, para quem nasceu nos anos 2000, Getúlio Vargas é uma figura só presente em livros de história, me era quixotesca aquela raiva toda, engraçada mesmo. Mesmo demorando 1 hora a mais no trajeto, tentava ao máximo não passar pela Avenida Getúlio Vargas, por princípios. Era silencioso no 7 de Setembro e no 15 de Novembro, mas fazia questão de comemoração e de fogos no 24 de Agosto, pelo suicídio. Quase me deserdou quando comentei para onde estava prestando vestibular - "você faria faculdade na Fundação Adolf Hitler?"

Com o tempo e com estudo, eu fui descobrindo que não eram só moinhos que motivavam o ódio. Como qualquer um relevante, havia razões para odiar o Getúlio. Em uma viagem para seu sítio, quando eu já havia estudado sobre a Era Vargas no Ensino Médio, eu comentei com ele do golpe de 30, do Estado Novo, da Segunda Guerra, da Olga Benário. Ele concordou, pontuou com xingamentos genéricos, mas não adicionou ou engajou muito. Tinha mais de 90, então achei que o desprezo estava desbotando, enfim.

Mas era outra coisa. Faltava falar de 32. Daí, ele acendeu. Criança, ele lembrava da família dando um caminhão, joias e outros bens, para o bem de São Paulo. E, sobretudo, de um irmão, Honório, que morreu alvejado por metralhadoras, em algum lugar do interior do Estado. A morte e a pobreza podem até ter sido pela Constituição ou, para os mais realistas, pela relevância política da elite paulista, mas, para meu bisavô, só ficou que Getúlio Vargas, o próprio, pequenino e gordinho, fuzilou o irmão e roubou a família. Toda grandeza e vilaneza histórica não compensaram ou se equipararam a esse crime. Não é a CLT, a CSN, o Petróleo ou o trabalhismo. É para sempre o GV da metralhadora.

Eu o entendo muito mais hoje. O meu pai morreu de COVID, em 2020, só um ano depois do meu bisavô. Não foi por nada nem por ninguém nem fuzilado. Mas o ódio que o velho Raul sentiu, tão pessoal quanto político, também me invadia toda vez que o JB escarrava sobre a doença e caçoava de quem se foi. Isso nunca me deixou, mesmo meia década depois. Nunca vai. Virou meu moinho de vento, meu gigante. A razão pela qual meus bisnetos vão caçoar de mim.

Que o façam, mas, por favor, que eu não tenha o constrangimento de passar por uma Avenida ou praça Jair Bolsonaro, 60 anos depois do que ele fez. Isso não. No lugar, me deixem comemorar com fogos um 24 de Agosto...